quinta-feira, 21 de março de 2013

Relações ecológicas no meu quintal: um mutualismo não muito bem vindo

Enquanto lia um livro chamado 'O menino soldado', uma autobiografia de um cara que teve a infância perdida em meio à guerra em Serra Leoa nos idos da década de 90, reparei em diminutas e agitadas formigas pretas correndo pra lá e pra cá. Sempre atarefadas, pratcamente não dormem, são símbolo do trabalho. Só que na prática sei muito pouco sobre elas. Resolvi aprender um pouco mais.

'aqui tem um bando de louca'
Na internet descobri que essa formiga, popularmente conhecida como 'formiga louca' (Paratrechina longicornis), é uma peste urbana originária da África que introduzida acidentalmente no Brasil. Aqui infernizam boa parte das casas da vizinhança atrás de comida açucarada e/ou protéica (carnes e insetos mortos).

Essa formiga tem esse nome popular porque é extremamente rápida, e quando incomodada, corre para todo lado aparentemente sem senso de direção. Só que a falta de senso de direção delas fica só nas aparências, porque pela minha experiência, elas 'farejam' açúcar a muitos metros de distância do formigueiro. Basta esquecer qualquer porçãozinha de doce ou de carne que em no mínimo 1h elas já estarão lá.
A formiga em sí já é bastante problemática quando ela começa a invadir a casa, mas aqui ela resolveu ser cordial e confraternizar com outros convidados indsejáveis: Começou a rolar no início do verão uma relação ecológica terrível que inclui essa formiga e outros parasitas de planta. Terrível para mim e para as plantas, pois para os dois insetos envolvidos, é 'tudo de bão', configurando o bom e velho mutualismo, onde os dois saem ganhando. Vou explicar melhor abaixo.

Cochonilhas 'causando' no vegetal alheio
Já ouviram falar de cochonilhas? São pequenos insetos parentes das cigarras (hemípteros), que assim como os pulgões (também hemípteros), passam a vida a sugar tranquilamente a seiva das pobres das plantas. As cochonilhas vêm nos mais diversos modelos, de branco enovelado à carapaças enceradas coloridas. Em geral elas não costumam ser muito ágeis, sendo que em alguns casos elas se fixam na planta e não saem mais.

E onde entraria a formiga? Bom, a cochonilha suga a seiva elaborada da planta, a que já tem o açucar produzido nas folhas. Quando ela fura o 'seivoduto' da planta, o líquido sob pressão atravessa seu aparelho digestório e sai do outro lado, na forma de uma gotícula adocicada.
direto do forninho
 Esse fenômeno acontece tanto com a cochonilha quanto com os pulgões. É aí que entra em cena a formiga: As formigas surgem para coletar o 'honeydew' (nome em inglês da secreção, que poderia ser traduzido como 'orvalho doce') que é exudado nesse processo. Cochonilhas e pulgões viram verdadeiras fábricas de honeydew, produzindo até mesmo sob pedido das companheiras formigas.





Formiga louca e seu amiguinho verde, o pulgão: alegria em dobro
Em troca do 'almoço grátis', as formigas cuidam do seu rebanho de pulgões e/ou cochonilhas, inspecionando-os a todo momento e combatendo predadores como as joaninhas e vespas. A planta parasitada torna-se literalmente uma fazenda, cultivada laboriosamente pelas formigas ávidas por cocô doce.

Claro, se estivéssemos em uma mata, provavelmente teríamos uma maior população de predadores pra controlar tanto a formiga quanto o pulgão/cochonilha, mas aqui no meio de São Paulo os predadores estão em bem menor número. Os insetos 'praga' tem então passe livre para deitar e rolar na abundância de recursos que nós tontos humanos largamos por aí. A formiga, com fornecimento extra de comida garantido, cresceu em número acompanhando a oferta, e começou visivelmente a aumentar sua presença aqui dentro de casa, invadindo praticamente todos os cômodos da casa. Os pulgões e cochonilhas, sem muitos predadores, também deitaram e rolaram, fazendo um arrastão nos brotos novos dos incautos vegetais.

Para deixar o quadro geral ainda mais insano, o honeydew, quando cai nas folhas, mela tudo, e vira um ótimo lugar para o crescimento de fungos prejudiciais à planta, como a fumagina. Pobres plantas..

Precisava resolver essa questão. Se você larga o jardim assim, em geral a planta, quando não morre, no mínimo fica horrorosa. E uma planta infestada/infectada serve de plataforma para ataques às plantas vizinhas, que estavam tranquilas no canto delas.

Em geral, quando a planta está sendo muito atacada, como no caso aqui de casa, alguma coisa está indo mal. Ou a adubação está inadequada, umidade errada, ou ela está com pouca ou muita luz, ou água demais ou de menos... Como ainda não descobri o motivo dos ataques, tive que apelar para o Plano B e apelar para o armamento químico, tentando ainda ser o mais 'ecoamigável' possível.

Luz no fim do Túnel


Graças à obra grandiosa da coevolução, muitas das plantas desenvolveram substâncias químicas poderosas para impedir ataques de insetos. A nicotina é uma delas. E é justamente com a nicotina, um poderoso veneno, que podemos fazer um pesticida caseiro para aplicar e matar os parasitas de outras plantas que não tiveram essa sorte de ter o composto em seu sistema. (OBS: ótima hora para refletir sobre seus hábitos tabagistas..). A nicotina do nosso preparado é extraída do fumo de corda. A receita não é minha, retirei-a deste site aqui, mas por conhecê-la receita há tempos, sei que está certa.

Inseticida Natural com Fumo

fumando inseticida mermão?
Quarta receita
100 g de fumo em corda
0,5 litro de álcool
0,5 litro de água
100 g de sabão neutro.

Misturar 100 g de fumo em corda cortado em pedacinhos com meio litro de álcool mais meio litro de água deixando curtir por 15 dias.
Decorrido esse tempo, dissolver o sabão em 10 litros de água e juntar com a mistura já curtida de fumo e álcool. Pulverizar nas plantas, nesta concentração, quando o ataque de pragas é intenso ou diluir em até 20 litros de água no caso de baixa infestação de pragas. No caso de hortaliças, respeitar um intervalo mínimo de 12 dias antes da colheita.

O fumo é bão, mas eu mesmo virei adepto de outro tipo de inseticida, que é tão natural quanto, mas que achei mais eficaz: O óleo de Neem. O óleo de Neem, assim como a nicotina, é também um composto produzido por vegetais, no caso uma árvore indiana, para enfrentar seus parasitas. Esse, para uso humano em residências como inseticida, é ainda mais indicado, porque é específico para artrópodes (basicamente insetos e aracnídeos), imitando o hormônio de muda de pele que só eles tem, a ecdizona. O composto especial que a planta produz chama-se Azadiractina, devido ao nome científico do Neem, Azadirachta indica. Olha só como são as fórmulas estruturais:

ecdisona
Azadiroquê?











Quando consumido ou em contato direto com os insetos , o óleo de Neem entra no metabolismo do artrópode e colapsa tudo, em geral esculhambando o finamente regulado processo de muda, fazendo o 'bichim' trocar de carapaça antes da hora, matando-o.


 
É aqui que a Azadiractina entra, esculhambando o ritmo das mudas


Em geral em uns 2 dias não sobra mais praticamente nenhum pulgão ou cochonilha para contar a história. Por agir em algo particular dos artrópodes, o óleo de neem não vai detonar nem a sua saúde nem a dos seus filhos nem dos seus animais domésticos vetebrados. Em geral você encontra o óleo em qualquer casa de jardinagem, não é muito caro (uns 14 reais o pote que dá pra umas 7 aplicações de 2 litros) e além de não ser toxico aos vertebrados, é biodegradável (se degrada depois de 100h de exposição à luz e água).  

Enquanto não encontro as raízes do problema que está infernizando minhas plantas, o plano B tem funcionado bem. Vou tentar aprender a fazer análise de solo, porque é onde acho que estou errando. Fui!

Um comentário:

  1. achei muito legal! isso me lembrou de um paper ...http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3156822/...vai q te dá uma luz ai! hehe..depois me conta!

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